Para respondermos a essas e outras questões é preciso notar alguns dados contextuais. Primeiro, a igreja estava em sua fase inicial (século I d.C.), em seus primeiros anos após a morte, ressurreição e ascensão de Cristo. Era composta por pessoas recém saídas do judaísmo que abraçaram a fé cristã após a pregação de Pedro. A sociedade era simples, composta por pescadores, comerciantes, algumas pessoas marginalizadas da sociedade que haviam crido no evangelho, os “ex”s (prostitutas, paralíticos, leprosos, publicanos, pecadores). A relações sociais eram bastante estreitas, baseada nos laços familiares.
Quanto à experiência eclesiástica (ou eclesiológica), esta estava em seu nascedouro. Não havia ainda uma instituição chamada “Igreja”. Não havia um clero especifico para atender as necessidades da comunidade, havia, sim, um espírito comunitário que unia as pessoas num propósito comum. Neste momento, ainda não havia interesses pessoais em voga (pelo menos não nesse primeiro momento).
Alguns conceitos ainda não haviam sido desenvolvidos, como Igreja, ministro/clero, sacerdócio, a questão referente aos dias de adoração, a questão do lugar da adoração (a igreja no primeiro século não possuía o conceito de “templo” que nós possuímos hoje), isto é, não havia um lugar único para a celebração. Algumas questões passavam por longe, como a existência de um hinário, púlpito, E.B.D., entre outras. A comunidade cristã do primeiro século era bastante simples. Para termos uma idéia, somente no quarto século aparece o primeiro “templo” cristão, já na igreja instituída por Constantino imperador romano. Antes disso, a igreja se reunia “de casa em casa”, nos períodos de perseguição, muitas comunidades cristãs se escondiam em cavernas e catacumbas (antigos cemitérios romanos). Não havia necessidade de um templo, pois cada crente tinha consciência de ser ele templo do Espírito Santo!
Mas é claro, a igreja não ficou presa no século I, nem tampouco a Jerusalém e arredores. A igreja cresceu, de 12 tímidos homens, passou para 120, para 3000, para 5000, até alcançar todo o império romano, causando um grande incômodo para os imperadores, os quais empreenderam todos os recursos disponíveis para deter o avanço “destes que tem alvoroçado o mundo”.
Os anos se passaram. Algumas adaptações foram necessárias. Elegeram pessoas para cuidarem das necessidades materiais dos pobres existentes na igreja (At 6), bispos/pastores para supervisionarem o rebanho. Paulo enfatizou a necessidade do exercício dos dons espirituais para a edificação da igreja. Problemas surgiram quanto ao culto, sendo necessária algumas orientações dos apóstolos quanto à liturgia nas reuniões públicas, visando o bem estar da igreja e a salvação dos ouvintes. Havia agora muitas comunidades cristãs (igrejas), às quais tinham problemas específicos, sendo necessárias instruções especificas a cada uma delas, como testificam as epístolas.
Tendo contato com diferentes culturas e práticas religiosas as mais variadas, a igreja começa a se corromper. Práticas pagãs tentam se infiltrar na igreja através de pessoas convertidas das religiões judaicas e pagãs, passando a igreja por grave crise moral. Isso denota o desejo da igreja de se relacionar com o mundo de modo amigável, sem ferir os desejos das pessoas (isso se parece muito com a forma de ser cristão dos nossos dias!).
Esse encontro, ou melhor, casamento, entre a igreja e o paganismo ocorre na época de Constantino.
Após longo período de perseguições, em 325 d.C. o Imperador Constantino torna a religião cristã, religião oficial do Império. Aqui começa as principais deturpações pela qual a igreja passa. Muitas das festas pagãs são incorporadas ao cristianismo (Natal, São João, etc). O clero é agora subordinado ao Estado, a liturgia é feita em prol dos interesses do imperador. Os templos pagãos, tornam-se templos cristãos. As filosofias romanas substituem as Escrituras, surgem os dogmas, a tradição se fortalece em detrimento da Palavra de Deus. As decisões dos concílios substituem a autoridade dos apóstolos.
São quase mil anos de obscuridade espiritual, destarte haver grupos cristãos que perseveraram nos princípios bíblicos sem se corromperem.
Em 1517, um monge agostiniano, chamado Martinho Lutero, publica suas 95 teses contra a venda de indulgências como meio de se angariar a salvação, e outras aberrações da Igreja Medieval. Sua atitude provocou uma “Reforma” na igreja. Essa reforma produziu os chamados protestantes, que, separados da igreja oficial (Católica Apostólica Romana), empreendem um movimento que alcança muitos países europeus, nascendo daí as igrejas nacionais.
As mudanças que daí surgem serão apenas no âmbito das idéias, nas doutrinas (especialmente a que diz respeito à salvação pela fé somente e a centralidade das Escrituras). É claro que há mudanças litúrgicas, como a “missa” celebrada na língua nacional, uma maior importância à musica no culto, são mudanças significativas, mas sem muito impacto no que diz respeito a princípios basilares exarados nas Escrituras.
A reforma que Lutero e os outros reformadores (Calvino, Zuinglio, etc) empreenderam, estava centralizado na doutrina (salvação), não na Igreja. Conceitos como templo, clero, liturgia, permaneceram quase inalteráveis. As comunidades cristãs permaneceram ainda dentro de um templo, ao redor de um clero, num dia de domingo.
Fazia-se necessário, portanto, uma reforma na igreja, no s eu conceito e suas formas.
Passaram-se quase quinhentos anos, e agora é hora de voltarmo-nos para as Escrituras, redescobrirmos os primeiros cristãos, é preciso hoje verificar os valores da igreja do primeiro século, e desfrutarmos de um novo mover de Deus, isento do tradicionalismo hermético, e partirmos para uma vida em comunidade, uma comunidade significa para os dias atuais, que cause impacto nas vidas. É preciso recuperar a igreja, leva-la para desfrutar de uma intensa koinonia.
O que pretendemos hoje, não é retroceder a 2000 anos atrás, para fazermos as coisas da mesma forma como fizeram os primeiros cristãos; mas, buscar os princípios exarados nas Escrituras que nortearam a vida dos primeiros cristãos. Talvez não consigamos fazer tudo quanto eles fizeram, mas devemos compreender o que os levou a viver aquele estilo de vida e, então, buscarmos correspondentes no século XXI, conhecendo a nossa realidade e os anseios do homem moderno, aplicarmos os princípios aprendidos à nossa realidade, a fim de conseguirmos os mesmos resultados a que eles chegaram (“louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos”).
Talvez, para que isso aconteça será preciso mexer em estruturas antigas, a fim de alcançarmos o ideal divino de comunidade. Alguns princípios bíblicos com certeza irão contrariar nossas estruturas mentais formadas durante longos séculos de tradição cristã. Conceitos serão revistos, práticas eclesiásticas perderam seu sentido de ser, a partir do momento que os valores que os cristãos do primeiro século desenvolveram se incorporarem em nossa realidade presente. Portanto, precisamos estar preparados para o mover de Deus nesse propósito!