sexta-feira, 27 de junho de 2014

Teologia da Inversão - Parte II

[Apresento a segunda parte da postagem Teologia da inversão, demorou um pouco, mas aqui está a continuação dessa reflexão sobre história e teologia da igreja, seus desvios e desafios]

A teologia bíblica é superada no ambiente liberal pela filosofia, daí decorrendo um teologia sistemática cada vez mais independente das Escrituras, e mais tarde o elemento emocional, pragmático encontra um lugar de expressividade na prédica e na prática cristã; aqui é a experiência quem determina a hermenêutica e esta a práxis. A teologia bíblica foi subjugada por um lado pelo pragmatismo e por outro pelo racionalismo.
Não podemos, contudo, pensar que esse período da história eclesiástica e da teologia, conhecido como Iluminismo, que marcou principalmente o século XVIII e XIX seja um período de trevas para a teologia cristã, ao contrário. esse período é riquíssimo quanto ao avanço nos estudos da Bíblicos. Mas como assim?
Os estudos linguísticos avançaram nesse período. O achado de novos manuscritos das Escrituras especialmente do Novo Testamento constituíram achados importantes. O nascimento da chamada Crítica Textual foi fundamental na seleção dos manuscritos e para uma maior aproximação dos exegetas, teólogos, estudiosos do texto grego, pregadores e congregação. Além da linguística a arqueologia contribui consideravelmente para sustentar os dados escriturísticos. Outras ciências surgidas nesse período, como as ciências sociais, auxiliaram os teólogos a uma compreensão maior dos tempos e costumes bíblicos.
O avanço desse movimento teológico, conhecido como teologia liberal, produziu nos séculos XVIII e XIX vários movimentos reacionários. Boa parte desses movimentos tinham um forte apelo apocalíptico: darbistas, russelitas, adventistas, mormonismo entre outros. É bom lembrar que nesse contexto, dentro da teologia liberal, vem se fortalecendo a escatologia pós-milenista, com a crença de que a pregação do evangelho tornaria o mundo muito melhor, construindo uma era de paz e prosperidade. Os reacionários viam, todavia, o cumprimento das profecias bíblicas, como já estando acontecendo naquele tempo, onde aguardavam ainda naquela geração a Parousia, indicando até mesmo o tempo do seu acontecimento.
O século XX começou com a afirmação das igrejas históricas (batistas, presbiterianos, e outros) reafirmando a teologia tradicional (criacionismo, nascimento virginal de Jesus, Segunda Vinda de Jesus, etc.). Esse movimento ficou conhecido como fundamentalismos, nome derivado das publicações feitas por esse movimento nos EUA, Os Fundamentos.  
Ainda no início do século XX, deixando para trás o liberalismo, e contrariando o rigorismo do fundamentalismo presente nas igrejas históricas, surge um movimento dentro das igrejas que dava bastante ênfase aos aspectos emocionais no culto. É óbvio que essa tendência sempre aparece de tempos em tempos na história da igreja desde o primeiro século, passando por Tertuliano no século II, os místicos na Alemanha, entre outros. No entanto, o que observamos na virada do século, da parte desses grupos, é uma total aversão ao racionalismo e à liturgia, ou ordem de culto das igrejas.
Esse movimento enfatizava a liberdade da expressão dos sentimentos no culto, não que o culto das igrejas taradicionais não houvesse emoção, o que se buscava era o extravasamento, justificado pela liberdade da ação do "Espírito" na vida do crente.
É nesse contexto que suge o chamado movimento pentecostal com sua forte ênfase nos dons espirituais, especialmente os dons miraculosos, e um forte apelo à evidência da glossolalia como selo do batismo no Espírito Santo. Sectários, os adeptos desse movimento afirmavam serem os detentores de uma nova revelação (revelação aqui tem um significado muito importantante), execravam os demais grupos, principalmente os cristãos históricos, por não serem possuídores da experiência espiritual que caracterizava esse movimento, que era o falar em línguas, mas tarde com o desenvolvimento de sua "teologia" chamaram de "segunda bênção", uma experiência posterior à conversão.
Essa "teologia" é um marco no que chamamos teologia da inversão. No liberalismo a razão tem a primazia sobre as Escrituras (no liberalismo a razão era o espírito humano na sua plenitude), agora no movimento pentecostal a emoção, a espontaneidade, a experiência, ganham corpo. O espírito humano se eleva no encontro com o sobrenatural anulando personalidade e individualidade, num nirvana descomensurado, numa ascese espiritual, onde corpo e espírito caminham em direções opostas. A tricotomia encontra o seu verdadeiro sentido nesse movimento, o corpo perdendo o seu status de ser no mundo, de lugar de encontro com o outro, para uma busca de satisfação pessoal e plenificação com o sobrenatural.
O movimento pentecostal evoluiu para a teologia positiva e a sua filha e herdeira a teologia da prosperidade. Essas "teologias" avivaram aquilo que era o cerne do movimento, a busca pelo prazer, pela satisfação pessoal, a realização individual, o sucesso, a prosperidade financeira, a negação do sofrimento... Enfim, Deus torna-se um servo obediente pronto a atender os caprichos dos seus filhos fiéis [dizimistas]. Inverteram tudo! O homem ordena, e Deus é obrigado a atender! Mudaram as Escrituras... Enfatizaram os heróis do Antigo Testamento, esqueceram e anularam os cristãos que por Cristo padeceram... Atacaram a teologia da cruz tão bem exposada por Paulo e os demais escritores neotestamentários... Voltaram às fábulas de velhas cadacucas... Aqueles que tantos os apóstolos condenaram, os judaizantes, hoje vemos uma onda de práticas judaicas sem sentido, inúteis...
A teologia da inversão se enraiza, portanto, sob a égide de um cristianismo desprovido das Escrituras. Esse tipo de teologia destrona Deus, o Criador, e em seu lugar põe a criatura, pecadora. Despreza a cruz, o sofrimento, que nos faz melhores cristãos. Despreza Cristo, o Salvador, substituindo a salvação pela graça por obras inúteis, esforços humanos, negócios de homens corruptos ávidos por satisfazer-se. A teologia da inversão eleva o espírito do homem, vilipendiando o Espírito Santo de Deus. Essa teologia exalta os dons, não os espirituais, mas aquelas que chamam atenção para si mesmos, fazendo com que outros desviem seu olhar para o Eterno. Enfatizam o carisma, a personalidade, exaltam seus líderes, e desprezam o fruto do Espírito (amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, temperança, domínio próprio).
A verdadeira teolgia cristã está fundamentade em Cristo e nas Escrituras Sagradas, a Bíblia. Deus se revelou em Cristo, o Seu amor foi provado de forma cabal na cruz. A graça de Deus, e não as obras é que salvam o pecador da sua miséria, é pela fé em Cristo que somos resgatados da condenação eterna (assunto tão desprezado hoje). A teologia centrada em Cristo e fundamentada nas Escrituras, não minimizam a proclamação àquilo que é prazeroso, que satisfaz a mente do homem moderno. A teologia bíblica anuncia todo o conselho de Deus.
É preciso, portanto, cuidado. Cuidado com a doutrina, tão atacada e negada por falsos profetas que com palavras bem planejadas tentam desvirtuar o verdadeiro e santo evangelho. Cuidado consigo mesmo, para nã ser arrastado pela ilusão da multidão que cegamente seguem os profetas que anunciam paz e segurança, pois sobre eles virá repentina destruição. Cuidado com os que se desviam da verdade, a esses é preciso adverti-los admoestá-los a permanecerem firmes, ainda mais quando o tempo está se cumprindo.